quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Fita verde no cabelo...Contribuição Luana Borba

"HAVIA UMA ALDEIA em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma menininha, a que por enquanto. Aquela um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continuava doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar franboesa.
Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só os lenhadores que por lá lenhavam, mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela mesma era quem se dizia: “Vou à vovó com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.” A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra, também vindo-lhe correndo em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebéinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejamente. Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela toque, toque, bateu:
- Quem é?
- Sou eu... – Fita- Verde descansou a voz – Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.
Vai, a avó, difícil disse:
- Puxa i ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe.
Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco assim, de ter apanhado um defluxo. Dizendo:
- Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.
Mas agora Fita-Verde se assustava além de entristecer-se de ver que perdera sua grande fita verde no cabelo atada, e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
- Vovozinha, que braços tão magros os seus, e que mãos tão tremenstes!
- É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta... – a avó murmurou.
- Vovozinha, mas que lábios tão arrocheados!
- É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta...- a avó suspirou.
- Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado e pálido?
- É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha... – avó ainda gemeu.
Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez...
Gritou:- Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo".

(ROSA, Guimarães in Fita Verde no Cabelo)


Motivo do nome (do blog): "(...) Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez...Gritou: - Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!" Com uma leitura cuidadosa e degustativa, apenas desse pequeno trecho que adoro, é possível perceber a força que tem essa última frase...nos últimos anos e nos últimos meses e dias, ela têm ecoado, volta e meia. Em momentos de solidão, me lembro da menina desesperada e assutada diante da morte, diante da morte da avó e repito baixinho "vovozinha, eu tenho medo do Lobo". Talvez esse lobo seja um ser camaleão...ora solidão, ora tristeza, ora maturidade. Medo de ficar sozinha, medo de ser triste, medo de amadurecer. Porque a solidão traz a certeza de que há momentos que só você mesmo pode te escutar e dar conselhos, só você pode ser seu amigo verdadeiro...isso dá medo. Porque a tristeza por vezes vem acompanhada de inércia. Isso dá medo. Porque a maturidade só acontece com aprendizado e dor. Lágrimas que semeiam o solo, diria uma amiga-irmã.

2 comentários:

  1. O lobo, um personagem fascinante, é a materialização do medo indispensável à (sobre)vivência. É um famoso (des)conhecido que habita a literatura infantil e que assombra a vida adulta, um devora(dor) que necessita de um caça(dor)- desejos, sonhos, perseverança, força e vontade, para ser superado. Superá-lo implica superar-se, deixar de ser a Chapeu-zinho, deixar de ser Verde, amadurecer, “ter juízo” num contexto atual, diverso (re)significado, mas que conserva a essência, as raízes: passado e presente se entrelaçam, se despedem e anunciam a perda dolorosa para o crescimento.
    O conflito entre o bem e o mal se repete ao longo dos tempos e a possibilidade de se preservar na fantasia com laços verdes e caçadores protetores paralisa; não admitir a morte é negar a vida; morrer é nascer.

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